segunda-feira, 31 de março de 2008

Trecho de "Os três mal-amados", de João Cabral

Há textos que falam, em mim e sobre mim, mais do que eu poderia tentar dizer. Eis o primeiro.

Joaquim:


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.


O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.


O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

domingo, 30 de março de 2008

Ah, as mulheres...

Eu e meu irmão:

- Ah, Li... Eu não entendo vocês, mulheres... Eu tava lá de boa conversando com a menina, tava tudo lindo, tudo perfeito. De repente, ela fecha a cara. Eu pergunto que que tá acontecendo e ela diz: "Nada".

- O que obviamente significa: "Aconteceu algo, mas não quero falar agora" ou "Aconteceu algo, mas eu não vou dizer sem você insistir muito".

- Pois é. Aí ela veio com um papo todo esquisito, de que não sabia se devia sentir o que estava sentindo... Isso faz algum sentido?

- Claro que faz.

- Como?

- Ela está apaixonada, mas acha que está apaixonada demais, e que o cara pode não estar no mesmo nível de sentimento em que ela está. Tudo isso é mesmo muito difícil pra mulher, no início de um relacionamento.

- Sério??? Eu virei pra ela e perguntei: "Vem cá... Isso é TPM?".

- NUNCA MAIS FAÇA ISSO!!! Não se pergunta a uma mulher se ela está de TPM quando ela fala sobre os sentimentos dela! Ela vai achar que você não está levando a sério o que ela sente!

- Ih.... Mas vocês mulheres, hein?!




Sim, ele tem 15 anos. E aos 50, ainda não saberá como funcionam as coisas na nossa cabeça nas várias fases do mês. Como diria o Mateus: "Ah, os hormônios...."


.

Saindo do teatro

Após um espetáculo de dança, em que o tema era o fandango, eu e Mateus saindo:

- E aí, Mateus... Gostou?
- Acho que eu sou normal demais...

kkkkkkkkkkkkk

sexta-feira, 28 de março de 2008

Cantando e observando no videokê

Ontem fui, com uns amigos, cantar em um videokê. Quer dizer, cantar é modo de dizer porque, na verdade, só cantei mesmo uma música, além de fazer uma parceria. Não é a primeira vez que vou a um desses ambientes, e percebi que certas coisas são sempre iguais:

1) O cara metido da voz boa sempre está lá. Ele se acha. Escolhe as músicas mais difíceis, faz caras e bocas, faz vozes diferentes, vai terminando a música com aquela cara de "Cadê os aplausos?". Ele canta bem, mas... É antipático que dói. Claro, a gente aplaude. Afinal, se a gente aplaude até quem canta mal, porque deixar o coitado no vácuo?

2) A esforçadinha da voz ruim sempre está lá. Ela tenta. Ao contrário do cara metido, escolhe músicas fáceis. Geralmente é tímida e canta em dupla. E a dupla é, invariavelmente, melhor do que ela. A gente fica com dó, e aplaude.

3) A galera bagunceira sempre está lá. São os rapazes que cantam músicas da Xuxa, da Tetê Espíndola, Mamonas Assassinas (geralmente Robocop Gay) além, claro, das músicas bregas dos anos 80. Ontem esse foi o caso da minha parceria: cantei Mordidas de amor ("Eu não quero tocar em você, oh, baby... E fazer seu jogo vai me deixar louco. Sei que você pensa o amor é do seu jeito... Coração quebrado e orgulho inteiro"). A gente morre de rir, canta junto e aplaude.

4) A galera do sertanejo sempre está lá. Graças a Deus, sempre há ao menos um representante (sim, eu adoro). Canta-se das mais antigas às mais novas. O mais legal é que todo mundo diz que não gosta, mas sabe a letra e, nem que seja disfarçadamente, canta.

5) A galera clássica sempre está lá. Cantando Bon Jovi, Whitney Houston, Tim Maia, Peninha. Cantando músicas que nos trazem lembranças e um sorriso nostálgico. E, é claro, a gente canta.

6) Quem realmente dá show. A pessoa vai chegando com aquela cara de quem não quer nada. Pega o microfone meio timidamente, dá um oi, e começa a cantar. Todo mundo pára o que está fazendo e olha. E canta. E dança. E sorri. E aplaude entusiasticamente. Encontra-se, em algumas oportunidades, pessoas que chegam a superar o cantor original em matéria de voz e interpretação. A gente pensa: "Essa pessoa poderia estar fazendo sucesso".

Esqueci alguém?

=D

quarta-feira, 26 de março de 2008

Uma nova visão sobre música

Minha família tem sempre uma forma diferente de encarar as letras das músicas de que a gente gosta. Quer exemplos? Lá vai:

"Meu bem, você me dá água na boca", cantada por Rita Lee
Pai: Nossa... Que horrível, né?! Um amor tão serviçal... Que é que custa à mulher pegar a própria água?

"Tudo que Deus criou pensando em você... Fez a Via Láctea, fez os dinossauros", cantada por Djavan
Pai: Caramba, essa mulher devia ser feia pra caramba...

"São Jorge, por favor me empresta o Dragão", cantada por Djavan
Pai - olha para mim e diz: Obrigado, São Jorge!

"Se o homem já pisou na lua, como ainda não tenho seu endereço? (...) Aperto o 12, que é o seu andar", cantada por Nando Reis
Irmão: Ué... Ele sabe ou não sabe o endereço dela?

"Não precisa mudar, vou me adaptar ao seu jeito, seus costumes, seus defeitos, seus ciúmes, suas caras, pra que mudá-las?", cantada por Ivete e Saulinho
Mãe: Essa música é a maior mentira que eu já ouvi...

terça-feira, 25 de março de 2008

Apresentação de redações no 2º ano

Hoje, no segundo ano, decidi olhar os blocos de redação dos meus alunos. Eis algumas das melhores coisas que ouvi:

"- Pô, professora, considera pelo menos a metade! Eu fui buscar a sua água!"

"- Professora, ontem eu fui para a parada de ônibus e aconteceu uma coisa terrível: o bloquinho caiu numa poça de lama... Mas o pior não é isso, professora. Não era o MEU bloquinho, era o da minha amiga"

"- A professora do ano passado fugiu com meu bloquinho" (E o pior: eu SEI que isso é verdade)

"- Eu trouxe em TODAS as outras aulas, professora, TODAS! Só esqueci hoje..."

"- Como assim, não aceita, professora? Essa redação tem três parágrafos brilhantes, apesar de cada um só ter duas linhas..."

"- Professora, a senhora confia em mim? Então nem precisa olhar os textos, né?!"

"- Eu sei que parece desculpa, mas o meu cachorro, o Luke, roeu meu bloquinho inteiro ontem à noite, nem tinha como tirar cópia, né?!"

"- Posso te mandar por e-mail?"


Professor sofre...



.

domingo, 23 de março de 2008

BBB

Sim, assisto. Sim, gosto. Sim, compreendo que você odeie.

Entendo que o Big Brother seja um programa de massa e que, como tal, não possua qualquer densidade. Assim como as novelas, apresentam um enredo fraco, e mostram aquilo que a maior parte da população quer ver: pessoas bonitas quase sem roupas, beijos na boca (às vezes mais que isso), brigas, intrigas... Assim como a maior parte da programação televisiva, é repleto de clichês, apelações, merchandising, no desespero de aumentar a audiência, não importa como.

O BBB apresenta pessoas, teoricamente, de verdade, desesperadas para ganhar o prêmio, literalmente, milionário. É interessante ver as relações que se traçam e a que ponto descem as pessoas por um dinheiro que apenas um leva para casa. É interessante ver, em miniatura, o que tanto acontece na vida fora da telinha: pessoas confabulando, mentindo e manipulando outros (muitas vezes, amigos) em prol de seus próprios interesses. O interesse do público pelo BBB confunde-se, inclusive, com o interesse pela sociologia: compreender como as pessoas agem, e por que agem da maneira como o fazem.

A baixaria é infinita e os clichês inúmeros. Assim sendo, compreendo que você não goste. Mas é justamente isso que me faz assistir, noite após noite, o Big Brother Brasil: trocam-se as personagens, troca-se o ambiente - sempre haverá pessoas que ajam como os Brothers confinados. O pior do ser humano é escancarado aos nossos olhos.

E, se isso não fosse o suficiente, é no mínimo interessante acompanhar os discursos de Pedro Bial e as estratégias globais de aumento de audiência.

Adoro.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Sim, porque você não está valendo....

... um pequi chupado em Formosa.
... uma pipoca molhada.
... um cream cracker.
... um rodoburger requentado.

Esqueci algum?



.Publicar postagem

quinta-feira, 20 de março de 2008

Fugindo da polícia

Quarta à noite, véspera de feriado. Eu e Thaís estávamos vendo o jogo do meu Mengão na casa do Quibe, quando resolvemos ligar para o Beto, grande amigo nosso, e chamá-lo para juntar-se a nós. "Amigaaa.... Hoje é aniversário da Lili, tá rolando um esqueminha, vem pra cá!".

No final das contas, ele resolveu ir pegar a gente lá. Pagamos a conta, tomamos mais uma cachacinha de caju, e fomos, ele na frente, eu seguindo com o meu carro.

De repente, não mais que de repente, surgiu um balão, que meu querido amigo optou por não fazer, cortando-o solenemente. Eu, como boa seguidora, fiz o mesmo. Foi quando interpôs-se entre os dois carros uma viatura da PM. Nesse momento ouvi minha querida amiga ao meu lado: "Gata, tu rodou!". Mas o inesperado aconteceu. Aviatura saiu voada... Atrás do Beto. Ouvi então a Thaís: "putz, ele fugiu! É uma anta, não acredito que ele tá fugindo da polícia!" Tentei acompanhar, mas, obviamente, eles sumiram. Um pouco depois ligamos pra Si, que estava com ele no carro: "Cadê vocês?" "No hospital. Depois a gente conversa".

Corremos para lá. Sim, foi exatamente o que você está pensando. Para o Beto escapar da multa, nossa amiga Si tomou até remédio na veia.

Mas o pior: a multa veio do mesmo jeito. Perdemos metade de uma festa, à toa.

terça-feira, 18 de março de 2008

O desejo de voar é atemporal?

Na 6ªA do Galois, numa aula de interpretação de texto:

Eu: Pessoal, a temática do desejo de voar, essa da história de Ícaro e Dédalo, é atemporal. A humanidade, em todas as épocas, manifestou o desejo de poder voar, como as aves.

Marcus: Eu nunca tive vontade de voar!!

Sérgio: Sim, porque agora você é toda a humanidade, né?!





Arrasou na tirada...





.

Semana passada...

Sala 3 do ALUB Asa Norte, turno vespertino:

Eu: Eu não sou mãe, mas imagino que nada seja pior do que perder um filho...

Aluno no fundão: Tem sim, professora! Perder dois...







Isso é ser professora............